sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Coisas.

São quatro e meia da manhã. Estou debaixo dos meus lençóis (e dos meu cobertores e edredon). Dou trinta voltas para a direita, quarenta e uma para a esquerda, conto cinquenta e cinco ovelhas, o meu telémovel vibra duas vezes, e eu ainda não cheguei ao meu vigésimo-sexto sono (sequer ao primeiro).
Resolvo levantar-me da cama.
Sigo em direcção á porta do quarto; abro a porta lentamente, e entro para a outra divisão quase tão gelada como o monte de neve espalhado por estradas e casas lá fora. Pé ante pé, descalços no chão de madeira da sala, caminho para o puff preto perto do aquecedor, que ligo, e acendo um cigarro. Ligo a aparelhagem, bem baixo, com um cd de soul music lá dentro. Atiro-me para o puff, gelado também, que me dá um arrepio nas costas, nuas. Inclino a cabeça para trás, e deixo-me levar pela suavidade do soul. Começo a pensar «e se fosse eu a cantar isto?», «e se daqui a uns anos eu for uma cantora a sério, e deixar os bares de karaoke no passado?» e sorrio... É practicamente impossivel, mas desde criança que gosto de sonhar alto (e ás vezes, ainda ter o pouco que seja de esperança).
Levanto-me do puff e, calmamente, quase que deslizando ao som da música, aproximo-me do móvel para queimar um incenso. Escolho o Afrodisíaco, não por ser realmente afrodisíaco, mas por ter um aroma agradável, e que condiz com o ambiente que me rodeia.
Apago o cigarro e atiro-me novamente para o puff; volto a ter o arrepio pelas costas, mas desta vez prolonga-se pelas pernas. Ato o cabelo, e vou descaindo as minhas mãos pelo meu corpo: pescoço, ombros, peito, barriga... Outro arrepio percorre-me, desta vez, por completo. Esboço um sorriso matreiro, mordendo o lábio inferior, à medida que passo ambas as mãos pelas ancas.
Levanto a cabeça, olho para a porta do meu quarto; todos estes arrepios me remontam certa noite, nesse mesmo espaço. Relembram-me certas frases que foram ditas. Relembra-me um "adoro o teu corpo...".
Olho para mim mesma.
Estou apenas de lingerie, e por isso, solto outro sorriso matreiro. Outra memória apareceu... A memória de um olhar de desejo, de um olhar inquieto; a memória de um "adoro..." isto ou aquilo, a memória do meu tempo de "vingança". A memória até de umas quantas suplicas.
E nisto, continuo no meu puff, a ouvir a minha soul music, com um aroma perfumado do meu incenso Afrodisíaco, com lembranças de "outros" tempos, lembranças do passado (lembranças boas do passado), com recordações daquela pessoa que nos faz (ou fez) sentir que temos um milhão de personalidades, com saudades de um "tudo" que já aconteceu e que receamos não voltar, com a falta de ouvir qualquer coisa boa que seja, ou com a certeza que daquela boca não voltaremos a ouvir um "és perfeita...", "Desculpa-me...", "Amo-te!", ou um simples "adoro o teu corpo...".
Contento-me com o presente; também não posso fazer muito mais se não isso mesmo: seguir em frente com a vida, pois já de nada serve ficar parada ou querer apenas olhar para trás.
Pode ser que um dia me volte a dizer qualquer coisa... Quem sabe se um dia não me voltará a dizer tudo isto, se não voltarei a sentir tudo isto, se não terei saudades por as estar a matar? Quem sabe se um dia eu vou estar neste puff, mas não sozinha? Quem sabe se os arrepios não serão causados por outras mãos, por outros desejos, por outras razões? Ninguém sabe... Nem eu sei. Neme ele sabe. Resta-nos dar tempo ao próprio tempo.

Desligo a aparelhagem, o incenso já se apagou entretanto, e levanto-me do meu puff. Sigo pacificamente para "os meus aposentos", tendo ainda na memória tudo o que pensara até ao momento. Deito-me, aconchego-me e sorrio.
"É practicamente impossivel, mas desde criança que gosto de sonhar alto (e ás vezes, ainda ter o pouco que seja de esperança). ".




Dedicado especialmente a ele.